Destacar a necessidade de que as pessoas aprendam a aproveitar os benefícios da Internet ao mesmo tempo em que tentam reduzir a exposição a riscos digitais se tornou um desafio ainda maior quando relacionamos o assunto com a segurança de crianças e adolescentes. Durante a pandemia, o tempo de uso de telas pelas crianças aumentou 1,5 vezes, deixando milhões de nativos digitais superconfiantes vulneráveis a golpes, cyberbullying, sextortion e doxing.
À medida que pais, responsáveis e educadores tentam acompanhar o mundo on-line em constante mudança e os riscos crescentes e emergentes, a segurança digital das crianças se tornou uma preocupação mundial. Independente se você é tutor, educador, pesquisador ou tem uma função relacionada à elaboração de políticas, há muito para ser feito a fim de facilitar comportamentos digitais saudáveis nas gerações mais jovens e futuras.
PRIMEIRO: Dos governos às organizações da sociedade civil
Apesar de todos os riscos, é importante lembrar os benefícios da tecnologia: acesso a informações, oportunidades de aprendizado, socialização, descoberta de diferentes culturas e lugares e muito mais. Os jovens estão expostos a uma quantidade de conhecimento sem precedentes. E, inevitavelmente, eles crescerão imersos na tecnologia e na interconectividade, por isso, é ainda mais relevante prepará-los para o mundo digital da mesma forma que os preparamos para outros cenários que fazem parte da vida cotidiana.
E, embora os pais e os educadores estejam no centro das atenções, também é justo dizer que a maneira como cuidamos de nossas crianças é regulamentada pelo trabalho de legisladores, que transformam em lei nacional os assuntos discutidos publicamente, por exemplo, na Convenção sobre os Direitos das Crianças. Portanto, os legisladores têm um trabalho particularmente importante quando se trata de garantir a privacidade e a segurança on-line das crianças.
Várias órgãos governamentais em diferentes níveis têm trabalhado para ajudar a garantir a proteção das crianças na Internet. Por exemplo, a Estratégia 2022 para uma Internet melhor para as crianças. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) especifica que o tratamento de dados de crianças e adolescentes deve ser realizado de acordo com seu melhor interesse. A Lei ressalta ainda a necessidade do consentimento específico de pelo menos um dos pais ou do responsável legal. As empresas públicas e privadas são obrigadas a informar sobre os tipos de dados obtidos, a forma de utilização, e o direito a procedimentos como acesso, correção e exclusão. Jogos e demais atividades na internet devem solicitar apenas informações pessoais estritamente necessárias.
A BIK+ da Comissão Europeia (UE) é "o braço digital da estratégia de direitos das crianças e reflete o princípio digital recentemente proposto de que "crianças e jovens devem ser protegidos, capacitados e respeitados na Internet". A Estratégia (BIK+) inclui várias recomendações sobre o desenvolvimento de métodos de identificação de idade, uma linha de ajuda contra o cyberbullying e a necessidade de cooperar com alertas confiáveis para avaliar e remover rapidamente qualquer tipo de conteúdo ilegal. Paralelamente, a Lei de Serviços Digitais (DSA) da UE exige que as empresas "coloquem os interesses das crianças em primeiro lugar em suas considerações".
Simultaneamente, uma discussão semelhante está ocorrendo nos Estados Unidos (EUA) com a COPPA 2.0 (Lei e regulamento de proteção à privacidade online da criança e do adolescente) e a KOSA (Kids Online Safety Act).
A primeira baseia-se na lei COPPA existente que, entre outras coisas, visa proteger crianças com menos de 13 anos de idade de sites e serviços on-line que solicitam informações pessoais, pedindo o consentimento dos pais para a coleta e o uso desses dados. A KOSA, por sua vez, reconhece "o papel das plataformas de redes sociais na crise de saúde mental" de crianças e adolescentes. Espera-se que a lei crie um "dever de cuidado" sob o qual as redes sociais, os serviços de streaming e os criadores de videogames sejam responsáveis por evitar comportamentos prejudiciais a crianças e adolescentes, por exemplo, implementando novos filtros de conteúdo e fornecendo novas ferramentas para os pais.
Para finalizar essas propostas de lei, tanto os legisladores da UE quanto os dos EUA buscaram orientação de organizações cívicas, grupos informais, ONGs e pesquisadores. No caso dos EUA, devido à especificidade da lei KOSA, os congressistas responsáveis por essa legislação incluíram em suas audiências pais de crianças que morreram devido ao efeito nocivo das redes sociais, fazendo com que suas vozes fossem ouvidas.
Por outro lado, quando a KOSA chegou ao Senado dos EUA, várias organizações, incluindo o Center for Democracy and Technology, a Wikimedia Foundation e o Yale Privacy Lab, enviaram uma carta à câmara alta do Congresso alertando sobre as possíveis "consequências não desejadas" da aprovação dessa lei. De acordo com essas organizações, "a filtragem de conteúdo é notoriamente imprecisa. A filtragem implementada por escolas e bibliotecas em resposta à Lei de Proteção à Internet das Crianças (CIPA) restringiu o acesso a informações essenciais, como educação sexual", mas a KOSA também pode ter "o efeito prático de permitir o monitoramento dos pais de jovens de 15 e 16 anos".
SEGUNDO: De acadêmicos e pesquisadores a educadores
Em outubro de 2022, quatro pesquisadores de uma universidade da Carolina do Norte publicaram um estudo chamado Teacher and School Concerns and Actions on Elementary School Children Digital Safety. O artigo, publicado no TechTrends, uma revista para profissionais da área de tecnologia e comunicação educacional, ecoou as preocupações dos professores sobre a segurança digital das crianças, alertando que "embora as crianças estejam cientes do mundo on-line em uma idade mais precoce, elas ainda não sabem como navegar neste mundo com segurança quando falamos de privacidade". O arquivo destaca que os professores devem "apoiar a segurança digital de seus alunos, desenvolvendo seu próprio conhecimento profissional sobre segurança digital".
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Esses pesquisadores ofereceram uma perspectiva única sobre os problemas enfrentados pelos professores, explorando suas experiências com a segurança digital dos alunos, o que levou a uma categorização de cinco áreas de preocupação:
- Relacionado ao conteúdo: pesquisa de material inadequado e acesso a sites inadequados.
- Relacionado a contatos: contato inadequado com estranhos na Internet, compartilhamento de informações sem risco percebido.
- Relacionados ao comportamento: cyberbullying, interação inadequada com colegas, falta de conscientização sobre os rastros digitais.
- Relacionado ao contrato: falta de conscientização sobre segurança e privacidade digital;
- Relacionado ao lar: falta de controle dos pais sobre a atividade on-line.
Esse trabalho, juntamente com outras pesquisas científicas, reflete a experiência dos professores e é um recurso importante para os formuladores de políticas e outros que desenvolvem diretrizes de segurança na Internet.
TERCEIRO: Pais e responsáveis
De acordo com uma pesquisa realizada pela Pew Research em dezembro de 2022, 46% dos jovens de 13 a 17 anos nos Estados Unidos sofreram bullying ou assédio on-line. Os tipos mais comuns de bullying incluem xingamentos, disseminação de rumores falsos, recebimento de mensagens não solicitadas com conteúdo explícito, solicitações de informações pessoais, ameaças físicas ou troca de mensagens sem consentimento.
Veja mais: 5 dicas para falar com as crianças sobre privacidade e segurança na Internet
Em outra pesquisa, os pais revelaram que sua maior preocupação é a exposição de seus filhos adolescentes a conteúdos explícitos, além da perda de tempo nas redes sociais e a distração com a lição de casa. Sofrer bullying ou assédio foi uma preocupação para apenas 29% dos pais.
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Ser responsável por crianças e adolescentes na era digital é, sem dúvida, uma tarefa difícil que exige conscientização constante, conhecimento atualizado e, não menos importante, tempo suficiente: tempo para falar sobre segurança digital, tempo para conhecer todos os aplicativos que as crianças usam e todos os jogos que elas jogam, e tempo para configurar controles parentais e monitorar a atividade on-line das crianças. A escola e o trabalho costumavam ter um tempo e um espaço para isso, mas trabalhar em casa e ir às aulas virtuais foi uma mudança que acabou alterando esse cenário.
Embora o trabalho dos legisladores deva tornar mais fácil para os pais garantir a segurança de seus filhos, nem sempre é esse o caso. Recentemente, vários serviços de streaming e redes sociais começaram a solicitar as datas de nascimento das crianças para continuar fornecendo seus serviços, deixando os pais confusos e inseguros: Devemos divulgar essas informações pessoais? Devemos fornecê-las para garantir que nossos filhos estejam assistindo a conteúdo adequado para as suas idades?
A nova legislação sobre privacidade e segurança on-line das crianças, incluindo a COPPA 2.0, a KOSA e a nova Lei de Privacidade Infantil da Califórnia, está pressionando as empresas por trás desses serviços para garantir a conformidade com a legislação. No entanto, o problema é que, embora as crianças ainda tenham um pequeno rastro digital, elas podem estar mais sujeitas a anúncios e dicas direcionadas. Além disso, o risco de um vazamento envolvendo informações mais detalhadas sobre uma criança a torna mais suscetível a cibercriminosos.
Pequenas regras que todos nós podemos aplicar
Como a distinção entre "on-line" e "off-line" parece estar desaparecendo ou até mesmo se tornando obsoleta, encontrar a melhor maneira de orientar as crianças sobre as complexidades da segurança, da privacidade, do abuso e da diferença entre "o que é engraçado" e "o que é prejudicial" pode ser extremamente difícil.
Enquanto estamos aprendendo sobre tudo isso, há algumas dicas infalíveis que podemos dizer às crianças:
- Você não sabe quem está do outro lado da tela;
- Nunca compartilhe informações pessoais (nome, endereço, escola, etc.) com pessoas na Internet;
- Use um apelido e um avatar;
- Não discuta na Internet;
- Não permita que ninguém discuta com você na Internet. Caso isso aconteça, bloqueie a pessoa e conte a um adulto;
- Nunca se encontre pessoalmente com um estranho que conheceu na Internet, assim como você não entraria no carro de um estranho;
- O que acontece na Internet, permanece na Internet para sempre. Nada é secreto;
- Mesmo as mensagens que desaparecem podem permanecer para sempre se alguém fizer uma captura de tela;
- Até mesmo os amigos podem compartilhar algo que você pediu que eles não compartilhassem com ninguém, portanto, não envie coisas que não quer que ninguém veja;
- Não permita que seus amigos peguem seus dispositivos e brinquem com eles sem sua supervisão.
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