Desde que o Facebook anunciou recentemente que mudaria os termos e condições de uso do WhatsApp, a notícia acabou causando bastante controvérsia, levando vários usuários a tomar a decisão de mudar para outros aplicativos de troca de mensagens. Muitos escolheram essa opção por receio de que a privacidade de suas informações fosse afetada por essas mudanças, mas talvez sem realmente saber por que estavam fazendo isso.

Tudo o que foi dito sobre as mudanças realmente ocorrerá? Eles estão me espionando? Devo trocar o WhatsApp por outro aplicativo? Estas são apenas algumas das muitas perguntas de muitos usuários nas últimas semanas. Por isso consideramos oportuno destacar algumas informações sobre tudo o que já foi dito para ajudar a muitos usuários a entenderem melhor as mudanças na política de privacidade do WhatsApp.

Mudaram os termos e condições de uso para nos espionar?

A reação dos usuários se deve ao que aconteceu anteriormente com o Facebook? Este caso seria um exemplo das consequências causadas pelo uso incorreto dos dados dos usuários no passado? Ou isso ocorreu apenas porque as pessoas estão mais conscientes sobre a importância de proteger suas informações pessoais?

Seja qual for a razão que motivou esse receio nos usuários do WhatsApp, a realidade é que quando as notificações começaram a aparecer no app indicando que havia um prazo para aceitar os novos termos e condições e que aqueles usuários que não aceitassem deveriam escolher um novo aplicativo de mensagens, não demorou muito para o surgimento de notícias falsas, memes e teorias da conspiração alegando motivos sombrios que uma empresa como o Facebook poderia ter para fazer tais mudanças.

Mas a realidade é bem diferente daquela que muitos usuários destacam nas redes sociais. Talvez o mais importante que vale a pena deixar claro é que essas mudanças não implicam que o Facebook poderá ler ou acessar as mensagens privadas de seus chats e/ou grupos. Vale lembrar que o aplicativo implementou um algoritmo de criptografia ponta a ponta nas conversas há algum tempo, de forma que a mensagem é criptografada antes de sair do dispositivo com a chave única de cada usuário e só pode ser descriptografada no dispositivo do usuário que recebe a mensagem. Portanto, se a mensagem for interceptada, será praticamente impossível descriptografa-la.

Dessa forma, esclarecendo esse ponto, podemos agora nos enfocar no que a mudança realmente implica. É preciso lembrar que o Facebook comprou o aplicativo WhatsApp há pouco mais de seis anos e desde então, junto com a aquisição de outros aplicativos - inclusive o Instagram - vem construindo um ecossistema de aplicativos e aos poucos tem conseguido integrar os dados de seus usuários em um único perfil no qual são coletadas informações de diferentes aplicativos. O objetivo de tudo isso é poder disponibilizar produtos, serviços e promoções associadas às preferências dos usuários, o que implica muito mais lucro para o Facebook já que suas campanhas de publicidade se tornaram mais eficazes.

Ao visualizar esse processo, fica mais fácil entender o motivo pelo qual o Facebook deseja adicionar informações relacionadas ao uso do WhatsApp, como as contas com as quais um usuário interage, se estas forem contas de empresas, em qual momento usam esses serviços, endereço IP com o qual se conecta ou dados do dispositivo móvel do usuário. Isso, somado às informações de perfis de outras redes e aplicativos como Instagram ou Facebook, sem dúvidas nos permite levar a segmentação e o conhecimento sobre os usuários a um patamar bem mais superior.

Privacidade dos dados em aplicativos de troca de mensagens

Diante dessas mudanças anunciadas pelo Facebook no WhatsApp, muitos usuários correram para baixar e começar a usar outros aplicativos de mensagens, sendo o Telegram e o Signal dois dos mais conhecidos e baixados. E embora seja verdade que aplicativos como o Signal foram projetados desde o seu design para oferecer níveis mais elevados de privacidade aos seus usuários, o fato de parar de usar o WhatsApp, mas continuar usando o Instagram ou o Facebook, implica que, como usuários, continuamos compartilhando uma grande quantidade de dados, e isso mencionando apenas os aplicativos mais conhecidos do ecossistema do Facebook. Tudo isso deixando de lado empresas como a Google ou a Microsoft, que também oferecem um grande número de serviços para facilitar a vida de milhões de usuários em troca de seus dados e que são utilizados por um alto percentual de usuários que também utilizam produtos do ecossistema do Facebook.

É verdade que outros aplicativos de troca de mensagens coletam menos dados sobre o uso que os usuários fazem do aplicativo, o que se deve em grande parte à estrutura dos desenvolvedores desses aplicativos e à evolução que tiveram nos últimos anos.

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No caso do Telegram, por exemplo, a criptografia das conversas não vem por padrão em todos os chats, mas apenas nos quais o usuário escolhe, enquanto o Signal ou o WhatsApp contam com esse recurso por padrão para todas as comunicações. Por outro lado, o Signal é o único aplicativo de código aberto que é patrocinado por uma fundação sem fins lucrativos que obtém recursos de usuários e grandes empresas como a Amazon, enquanto o Telegram e o WhatsApp contam com investidores como fonte de financiamento privada.

Informe-se antes de tomar qualquer decisão

Levando em conta essa grande variedade de nuances, e sem nos deixar levar por notícias sensacionais, memes ou informações falsas que circulam na Internet, podemos assumir uma posição racional sobre o que queremos que aconteça com nossos dados ao usar nossos dispositivos. Talvez existam usuários para os quais as mudanças que serão implementadas no WhatsApp sejam positivas e tenham interesse em conteúdos e promoções alinhados às suas preferências, tornando muito mais fácil a busca por informações na rede. Ou também há outros usuários para os quais a ideia de estar em um sistema no qual contam com tanta informação sobre suas preferências não seja nada cômodo e interessante.

Você já se perguntou que tipo de usuário você é e o que está disposto a disponibilizar a essas grandes empresas para continuar usando seus produtos e serviços “gratuitos”? Caso não tenha pensado sobre isso, este pode ser um ótimo momento para começar a pensar no assunto. Talvez alguns digam que já é tarde, que já entregamos muitas informações e que seria impossível sair de todo esse sistema, mas pelo menos estar atento a tudo o que acontece nesse ecossistema interligado nos posiciona em um lugar diferente e nos dá mais ferramentas para poder pensar e decidir com responsabilidade como queremos usar a tecnologia.

O que pode acontecer no futuro?

Tendo uma postura mais clara e informada sobre o que acontece com nossos dados ao usar esses aplicativos, é praticamente impossível não se aventurar em pensar o pode acontecer no futuro. Iniciamos o caminho para uma realidade hiperconectada há alguns anos, talvez alguns sem perceber, tendo cada vez mais dispositivos e aplicativos que estão o tempo todo coletando nossos dados e compartilhando-os com terceiros.

Toda essa situação implica em riscos para nós enquanto usuários da tecnologia, afinal estamos usando uma tecnologia susceptível a falhas e vulnerabilidades que colocam em risco a segurança dos nossos dados e a privacidade (como o que ocorreu na última semana com o Signal, Facebook Messenger, Duo e com o aplicativo Google Chat), e é parte de nossa responsabilidade como usuários estarmos cientes desses riscos para tomar as medidas de proteção mais adequadas.

E o desafio vai muito além do uso que fazemos como usuários da tecnologia de forma segura, já que é necessário que os governos e os setores privados estabeleçam regras transparentes de respeito a privacidade dos usuários e que situações como a que ocorreu com a Cambridge Analytica não se repita. Temos leis que ajudam a lidar com essas situações, como a LGPD no Brasil ou o GDPR na União Europeia, mas ainda é necessário que esse tipo de iniciativa chegue a mais países, pois embora toda essa tecnologia facilite muitas atividades do dia a dia, caso seja utilizada de forma inadequada pode levar a influenciar os critérios de escolha de muitas pessoas, limitando suas liberdades.