Através das redes sociais, o marketing se tornou muito mais preciso do que há alguns anos atrás, já que a segmentação por preferências, por exemplo, conseguiu que a publicidade chegasse ao público alvo de cada mensagem, produto e/ou serviço.

No entanto, existe outro espaço digital que também incluo dentro dessa lógica, e que, como as redes sociais, também é “gratuito”: os videogames. Claro, tudo se reduz a um simples clique em um botão no seu smartphone para iniciar o dowloand... mas, você já pensou alguma vez sobre o que ocorre por trás dos videogames “gratuitos”? Alguém tem que ganhar algo nessa transação, certo?

O certo é que nada é grátis, nem sequer os jogos gratuitos. O que acontece é que nessa negociação você acaba pagando de outra forma: com a sua privacidade e com os seus dados pessoais. Pense em todas as vezes nas quais você baixou um jogo gratuito e foi necessário vinculá-lo, por exemplo, com a sua conta do Facebook. Lembra que antes de dar qualquer permissão, o Facebook e os aplicativos te avisam que irão solicitar alguns “dados” do seu perfil?

É provável que você pense que não há nada valioso ali e que não é preocupante proporcionar a sua informação, mas existem muitos aspectos para ter em conta quando falamos de dados pessoais como uma nova forma de pagamento.

Para analisá-los entrevistamos Martín Gendler, um sociólogo argentino que não só gosta dos videogames, como também tem dedicado grande parte de sua pesquisa a esse assunto, como demonstrou no ano passado na palestra que ministrou no Ekoparty, em Buenos Aires (Argentina). Por isso, continue lendo no nosso post e saiba qual é a opinião de um especialista sobre esse assunto.

O que você acha da suposta gratuidade dos videogames?

Os jogos “freemium” são os que dão um acesso gratuito e, em seguida, cobram posteriormente por meio dos famosos “micropagamentos”. No entanto, o seu caráter “gratuito” é totalmente questionável.

Existem jogos freemium onde os micropagamentos são acessórios, ou seja, podem dar uma certa vantagem ou fornecer algum elemento estético, mas em si não são vitais para cumprir a meta desse jogo e superar os distintos obstáculos, enquanto que há outros (como Candy Crush, por exemplo) onde é cada vez mais difícil continuar avançando sem o pagamento.

O interessante disso tudo é que nos últimos anos há duas tendências complementares: por um lado, muitos dos jogos que previamente tínhamos que pagar para usar (comprando-os ou para usar o servidor oficial) também começaram a incluir micropagamentos, ou podem acabar saindo quase “incompletos”, de forma que para viver a experiência completa temos que comprar o DLC (do inglês Downloadable Content, conteúdo para baixar).

A outra tendência é, justamente, completar os lucros que não podem ser obtidos com os micropagamentos com o cadastro, armazenamento e posteriormente comercialização dos dados pessoais dos usuários, tanto os que são obtidos ao completar um perfil (dados diretos) como os que são obtidos por meio da atividade na rede (a “impressão digital”, ou os dados indiretos).

Você acredita que os dados são a nova forma de pagamento?

Os dados são, desde 2008, o principal modo de lucrar por meio da valorização da informação. No entanto, isso não significa que não seja possível ganhar muitíssimo dinheiro com I+D ou que tornaram mais flexíveis as leis de copyright, que são os pilares que historicamente sustentaram a possibilidade de atribuir valor em produtos informativos.

Apesar que hoje em dia três elementos se complementam, a extração, o armazenamento, o uso e comercialização dos dados, que são fatores chave desse momento.

O que fazem com esses dados? Por que são atrativos para as empresas?

São realizadas quatro operações:

  1. Armazenamento.
  2. Utilização, especialmente para produzir perfis ou para cruzar com outros dados (big data).
  3. Comercialização dos resultados do cruzamento ou dos perfis. Por exemplo, se uma empresa de pesquisa de mercado requer uma lista de usuários que tenham diabetes tipo II, pode solicitá-los ao Facebook ou outras empresas.
  4. Produção de um perfil personalizado onde supostamente se baseiam em “seus dados, preferências, e isso pode ser aplicado tanto para as redes sociais, Google ou mesmo jogos (tanto os jogos que se mostram para jogar, como nas ofertas que se aparecem ou seus valores, que também costumam ser personalizados).

Os dados dos usuários são atrativos justamente porque oferecem um novo mercado que antes não era considerado, que é o poder de obter um alvo aos quais fazem chegar produtos e ofertas de uma forma muito mais simples e eficaz.

Para os governos, a possibilidade de ter informação constante e atualizada dos seus cidadãos é algo que garante uma margem de manobra muito maior, por exemplo, para coletar futuros votos, saber onde aplicar certas medidas contra um aumento da agitação social ou prevenir protestos.

Os dados permitem ver a realidade e são constantemente atualizados, pois como sabemos, "conhecimento é poder". Além disso, pode ser uma excelente ferramenta para ganhar uma licitação ou obter benefícios legais ou administrativas; você apenas tem que tê-los e oferecê-los, assim também há uma corrida para ter mais dados do que as outras empresas.

Como sociólogo, que reflexão pode ser gerada considerando o ato voluntário de entrega dos dados para jogar?

Mais além dos Termos e Condições, sempre te avisam que terão acesso a tudo, mas cada um decide “correr esse risco”. Caso contrário, você pode ficar de fora e não “aproveitar os benefícios” que são dados pela plataforma, página, site, etc.; de poder comunicar-se ou de fazer contatos, buscar trabalho e outras coisas mais.

Com os jogos há algo semelhante, mas ainda mais preocupante: os relacionamos com o tempo de ócio, os identificamos como algo agradável, divertido e descontraído. Se o jogo também tem a vantagem de ser muito conhecido e é jogado por muitos amigos, penso que podemos ser capazes de jogá-los por um bom tempo; isso aumenta essa avaliação positiva. E se, além disso, estiver baseado em algo bem sucedido e que nos leve à nossa "infância", como foi o caso do Pokémon GO, maior será a intenção de jogá-lo e menor será a consideração dos perigos que isso implica.

Precisamente, essa associação positiva que temos com relação aos nossos jogos irá derrotando nossas barreiras e nos impulsionará a jogá-los, o que (na maioria das vezes) não é algo como uma receita. Os resultados da minha recente pesquisa indicam que os jogos mais mainstream e projetados para serem massivos e jogáveis ​​ao redor do mundo estão se tornando menos intensos e permitem a interação com os outros; mas também avançam cada vez mais sobre nossa privacidade e sobre nossas ações, pois esse é o modelo predominante de negócios hoje em dia, ao contrário dos jogos clássicos anteriores que foram projetados quando isso não era tão presente.

Então, o que podemos fazer como usuários?

A reflexão final é bastante negativa, lamentavelmente, mas ainda existem espaços onde é possível atuar.

Isso não será possível apenas “tomando consciência” sobre o assunto, porque vemos que tudo está projetado não apenas para os incautos, mas também para aqueles que sabem como são as regras (ou para aqueles que pensam que sabem).

Será necessário levantar cada vez mais essas questões, projetando várias ferramentas (software livre e comunidade hacker) que permitam proteger em certo sentido a privacidade de nossos dados e daqueles que nos rodeiam, especialmente difundi-los. Isso será preciso para que não fiquem em um nicho fechado, mas que sejam ferramentas massivas para levantar essas questões diante do abuso de nossa privacidade e para que não continuem nos transformando em “produtos”.